foto: Avi Abrams
Um dia eu virei as costas para a
dor e para a cruz. Entendi que a “civilização da culpa” era apenas uma forma de
coerção mental, de submissão doutrinária. Não nego que tenha tido sua
importância, a princípio, na minha formação. Porém, libertei-me de seus jugos
gradualmente. Não deixei de ser cristão, só deixei de ter religião. Adotei um
Cristo vitorioso, ressuscitado, imerso em luz e energia boas, em alegria e em
perdão.
Sempre entendi e usei a Páscoa em
seu sentido mais literal de passagem, de purificação (mais mental e espiritual
que física). Sempre saí renovado, de fato. Hoje, conversando ao telefone com um
amigo ele me disse algo do tipo: “me
olhei no espelho e me perdoei em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Talvez esse seja o verdadeiro
ritual que devemos fazer na Páscoa. Nos perdoar, íntima e sinceramente.
Entender que não necessitamos dar conta de tudo que se nos apresenta. Ter
consciência da nossa ínfima importância diante do universo.
Pra quê carregar tanto ódio,
tanta culpa, tanto fardo pesado, tanta inconformidade com nós mesmos?
Inconformidade que se reflete nos outros, e se torna ódio e culpa que o tempo
inteiro geramos também no outro?
Uma das cerimônias da religião
católica que mais gosto é a da quarta-feira de cinzas. Porque “a coisa mais
certa de todas as coisas” é que “somos pó e ao pó voltaremos”. Mentalmente,
sempre que envaideço-me um pouco por algum elogio (principalmente por autoelogios)
faço a imagem mental de estar nu, com a cabeça raspada, deitado sobre a terra
numa atitude de entrega. Sou pó, e ao pó eu volto sempre para me lembrar que
nada sou.
E ao me permitir ser “nada” me
desobrigo dos meus fardos, dos meus pesos, dos meus ódios, das minhas culpas e
dos meus medos. Faço assim minha passagem para ser um ser mais leve. O mais
próximo, talvez, que eu posso estar desse Jesus ressuscitado que eu ainda trago
em mim.
Enquanto nós nos entupimos de
chocolate e bacalhau, sem saber muito bem o motivo, uma parte de mim quer
urgentemente desejar a todos que eu amo, e a todos que estiverem atentos, que
simplesmente passem, transponham, se transfigurem e ressuscitem de si mesmos.
O inimigo – que às vezes somos
nós mesmos, assim como a dor, a morte e a tristeza só permanecem em nós
enquanto permitimos.
Feliz Páscoa! Feliz Passagem!
Por Silvio Vinhal
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